domingo, 14 de janeiro de 2018

O problema da esquerda de nosso tempo vai muito além de suas ideias.





 Quando falamos em esquerda como espaço do espectro político, seja nacional ou internacional, nos vem à cabeça diversos conceitos que estão ligados às tradições desse movimento. Em sua grande maioria, esses conceitos estão atrelados a questões trabalhistas, de defesa dos interesses da nação, de contraposição ao colonialismo e à escravidão assalariada, entre outros. No Brasil, ocorre um problema muito grave ao se tentar associar o que nossa esquerda se tornou com os seus antepassados revolucionários. Por um lado, a dita direita (que, diga-se de passagem, merece uma crítica como essa para o seu comportamento) vive na fantasia de que a esquerda revolucionaria comunista do início do século XX ainda existe e tenta implementar a sua agenda. Bem, gostaria eu que isso fosse verdade, mas infelizmente não é!
Uma coisa precisa ser objeto de reflexão, tanto dos ditos de direita quanto dos próprios comunistas de bem que se mantém conectados com as ideias tradicionais do leninismo: a esquerda comunista foi derrotada e dificilmente se reerguerá novamente – tanto pelas falhas dos momentos finais das experiências socialistas, quanto pelas investidas certeiras do liberalismo e sua propaganda, o ideal comunista em nível global foi completamente mitigado. Salvo em raras exceções (como no caso da Coreia Popular, que conseguiu se imunizar contra a era mais brutal da disseminação das ideias do estilo de vida do capitalismo), dificilmente uma agenda messiânica, como o ideal de revolução internacional comunista (que, na prática, se apresenta tão distante do povo no geral), conseguirá combustível para o seu motor revolucionário – ao menos não nos moldes do assalto ao estado e na instituição de um Estado socialista com economia planificada. Seja vermelha, azul ou amarela, a superação do liberalismo precisará ser nacional!

Mas, afinal de contas, qual o problema da esquerda do nosso tempo? Após entendermos um pouco que a nossa questão não é contra uma esquerda que já está morta, poderemos nos dedicar à compreensão do que é a esquerda brasileira em seu cotidiano interior e como seu comportamento é peça central de seus problemas.

Eu, durante aproximadamente três anos, entre os meus dezoito e vinte um anos, militei pelo Partido Comunista do Brasil (PC do B). Quando entrei no partido, eu estava deslumbrado estudando a história do movimento comunista do século XX. Lia Marx, Lenin, Stalin, Mao, Hoxha etc. Porém, com o decorrer do tempo, fui vendo que nada do que estudava eu conseguia ver ou ao menos debater na prática cotidiana do partido. Eu, obviamente, acreditei inicialmente no discurso de que a prática precisava as vezes ocupar o lugar da teoria para que pudéssemos nos desenvolver e expandir as nossas ideias – mas que ideias? Durante o tempo em que militei, tanto pelo partido quanto pelo seu braço de juventude, a União da Juventude Socialista, me esforcei para tentar melhorar a situação que me incomodava. Junto com um camarada que compartilhava dos mesmos sentimentos, apresentamos algumas propostas e críticas – como para a criação de um grupo de estudos na juventude do partido – às lideranças.

Inicialmente as propostas até eram aceitas, apesar dos tons irônicos ao se referirem a nós como os “comunas” (pensava eu que todos em um partido comunista seriam “comunas”). Na prática, o resultado seria muito mais previsível não fosse minha ingenuidade com relação ao que era aquele partido e o que queriam aquelas pessoas. Nas poucas oportunidades em que reunimos o grupo de estudos, ficamos mais tempo discutindo questões como remover Stalin das leituras para não assustar as pessoas e agilizar o debate para todos poderem ir para o bar “socializar”. No Partido em si a coisa não mudava muito. Apesar de ter conhecido boas pessoas que tinham boas intenções, a falta de formação e de identidade do partido com seus laços históricos me incomodavam muito, a ponto de em uma ocasião, debatendo com um membro da direção regional do partido, o mesmo dizer não saber o que era União Soviética. Mas, afinal, para que contei tudo isso?

 É extremamente importante sabermos separar o joio do trigo, sabermos colocar na sua devida posição histórica o movimento comunista tradicional, como por exemplo os norte-coreanos, e, por outro lado, o que chamo de a nova esquerda.


No PCdoB, durante o início dos anos 1990, houve um debate que serve muito para entendermos o que é a nova esquerda: A questão de se o Partido deve ser de massas ou para as massas. Apesar de antigo, esse debate é o cerne da perda de identidade da esquerda revolucionária. Quando se tira de um Partido que é tão atrelado às suas ideias a qualidade de vanguarda, de frente preparada para compreender a situação da massa, e coloca-se nele a massa apenas para inchá-lo, ele se torna o que se tornou. A esquerda se tornou o refúgio de todo tipo de aberração ideológica, principalmente na ala de juventude - desde aqueles que querem ter uma pinta de rebelde, os que querem apenas transar, os que querem um grupo para usar drogas, os que querem um espaço para defender ideias de perversão sexual e muito mais. A esquerda, de fato, se tornou o campo de refúgio do radicalismo moral liberal. 

Nova esquerda...

O Capital, de forma brilhante, realmente conseguiu separar os dois principais segmentos de suas ideias entre as forças políticas mais notórias do século XX, corrompendo assim o conservadorismo moral com valores de mercado e, por outro lado, tirando a identidade da esquerda trabalhista com pautas de subversão moral. O fato é que a esquerda, como um todo, sempre foi moralmente conservadora! A prática das revoluções comunistas sempre preservou grande parte da cadeia de valores morais e éticos dos locais onde ela ocorreu, entrando, assim, em contradição com o caráter teórico do marxismo (que previa um movimento globalizante da revolução). As revoluções comunistas do século XX foram essencialmente nacionais

 
"As crianças são a felicidade da família soviética" - Pôster soviético


"Crianças - felicidade da familia, futuro da nação" - pôster soviético
 
Acima, propaganda do partido comunista italiano: "Pela defesa da família, vote no partido comunista!".Abaixo, pôster soviético: "Ajudamos a mamãe!".

Muitos dirão que o comunismo atacou as religiões, como no caso da revolução russa, por exemplo, o que não deixa de ser verdade. Mas, na Rússia, a questão com a Igreja se deu muito mais no campo político (pelo fato da igreja russa ter sido um braço do czarismo), do que no campo dos valores que ela defendia. Tanto é que os valores sociais e morais da Rússia ficaram praticamente intocados durante todo o regime soviético, sendo esse inclusive um regime no qual havia uma ideologia e prática de forte amparo à instituição da família. Havia um combate aos modismos ocidentais, à arte degenerada e até mesmo algumas práticas sexuais não convencionais eram marginalizadas. O que eu quero dizer é que o nosso problema com a esquerda (que a aliena dos valores do povo) é com a esquerda contemporânea.

A questão que nos é pertinente não está baseada, enfim, nas ideias do passado, mas sim nas circunstâncias presentes. Se fosse possível voltar hoje a 1917, eu não teria dúvidas acerca de em qual lado ficar. Contudo, não sou mais comunista hoje não apenas porque a esquerda revolucionária, em sua grande parte, teve os seus valores corrompidos, mas sim porque a história nos permite observar melhor os caminhos para enfrentar o Capital - porque a história nos mostra que este caminho dissidente foi derrotado. A Dissidência é o caminho natural de todo bom homem de esquerda que não aceita o liberalismo que parasita os filhos do bolchevismo. Porque, para nós, os valores e as ideias são muito mais importantes do que as cores da bandeira

  



                                                                                      


 
A esquerda nos dias de hoje não passa de um braço do Liberalismo que, ao mesmo tempo, faz os conservadores acreditarem que ela ainda está conectada com algum tipo de plano comunista global, sem entender que ela apenas advoga pelos valores liberais. O Capital mascara suas ideologias dentro do frágil espectro político: faz conservadores defenderem um sistema econômico que subverte a moral individualizando o ser, enquanto, por outro lado, faz o trabalhista se ocupar mais de pautas individualistas e antipopulares (na crença de estar a defender os oprimidos), do que das pautas que envolvem mais profundamente os interesses do povo e da nação.
Saber identificar os inimigos do presente é saber que a cor da bandeira não diz nada, nem sobre a bandeira nem sobre quem a carrega, é saber colocar cada movimento e cada ideia no seu devido tempo e no seu devido lugar. É saber analisar criticamente tudo o que pode ser bom ou não para o povo. É não ter medo de acusar e nem por isso acusar sem fundamentos. As experiências socialistas são ensinamentos fundamentais para nós, e devem ser vistas em seu tempo, sem o preconceito de enxergá-las através de seus filhos mais novos.

 

Tácio Reis 
Bacharel em Relações Internacionais. É militante da Ação Avante e participa da Dissidência-DF.

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