quinta-feira, 19 de abril de 2018

Palestra com o Embaixador da Síria - 24 de abril de 2018



Palestra imperdível nesta 3ª feira, às 14h, no auditório Anfiteatro 9 no ICC Sul, Universidade de Brasília, com o Embaixador da Síria sobre a crise que afeta o país. Evento aberto a todos. Venha aprender mais sobre essa nação milenar, o contexto da crise, a situação de cristãos e muçulmanos e uma perspectiva síria.
https://www.facebook.com/events/1669178726513041/

segunda-feira, 2 de abril de 2018

Brasília - um desafio inorgânico


Muito se fala, na Dissidência, em estruturas sociais orgânicas, aquelas que surgem e se ordenam espontaneamente com fortes raízes tradicionais obedecendo um impulso derivado das necessidades reais e intrínsecas de uma população. Sendo assim, como a Dissidência Política do DF lida com o fato de que Brasília, que é frequentemente confundida com o próprio Distrito Federal, seja talvez uma das cidades menos orgânicas do mundo?

Brasília tradicionalmente compreende vários bairros que passaram por alterações administrativas e territoriais, mas seu núcleo pode ser resumido nos bairros Asa Sul e Asa Norte divididos pelo Eixo Monumental, onde se encontra, por exemplo, a Esplanada dos Ministérios, o Congresso Nacional e outros órgãos federais à leste da Rodoviária, o Marco Zero, ao redor do qual estão shoppings e hotéis, enquanto à oeste ficam os órgãos distritais, além de inúmeras outras instalações.
O conceito primordial de Brasília é a da Super Quadra, no qual as exclusivamente residenciais (centenas 100 a 400) são quadrados de mais de 250 metros de lado dentro dos quais se distribuem prédios horizontais de, por lei, no máximo 6 andares, ampla área verde, parques e quadras esportivas, podendo haver escolas e igrejas, mas cujo único comércio permitido são bancas de revistas. Mas em uma das laterais desse quadrado há um comércio local, de frente para outro comércio local de outra SQ, que disponibilizam serviços básicos como padarias, drogarias, bares e lojas diversas. Algumas quadras tem comércios mais especializados, como as que concentram lojas de iluminação e elétricas, nas SQS 109/110, ou lojas de informática, nas SQN 207/208.

Das demais SQ (que podem ser Norte ou Sul) as 500 são comerciais, as 600 abrangem escolas, outros órgãos públicos, hospitais ou universidades. As 700 misturam casas residenciais com comércio mais diversificado, as 800 abrangem embaixadas, clubes, o campus universitário da UnB (a universidade federal), estações de tratamento de esgoto (às margens do Lago Paranoá), e as 900 concentram universidades privadas, centros empresariais diversos, centros hospitalares e outros.
Vale lembrar que as quadras de centenas pares 200, 400 etc, ficam à leste do Eixão, que corta toda a cidade na direção Sul-Norte, ao passo que as centenas ímpares ficam à oeste, contando-se alternadamente de dentro para fora. Portanto, as 800 não ficam nada perto das 900. E as unidades só vão de 1 a 16. Portanto, não existe qualquer SQ terminada em 17 para cima. Além de excepcionalmente faltarem residências nas quadras 413 e 414 (que não tem nem comércio) pois ambas constituem o Parque Olhos D'Água.

Mas o que realmente interessa aqui é que mesmo quem jamais tenha ouvido falar de Brasília, apenas por esse breve relato, já percebeu que se trata de algo completamente diferente de qualquer outra cidade, que em geral segue o princípio de uma Igreja Matriz numa praça ao redor da qual surgiram residências e comércios que com o tempo foram se organizando sem planejamento prévio.
Brasília é uma cidade planejada desde o princípio, segundo um espírito iluminista de ordenação racional, com certa influência comunista, resultando numa organização cartesiana. Você não precisa de experiência alguma para, estando na SQN 304, ou 304 Norte, saber exatamente para que lado fica a SQS 410. Em Brasília não existe o típico "não saber onde é a rua tal", aliás, só há "ruas" num sentido informal, como a entre quadras 107/108 Sul, apelidada de "rua da igrejinha". Uma vez ciente do princípio básico, você saberá exatamente onde é uma localidade mesmo sem jamais ter passado perto dela.

É verdade que alguns aspectos ideais do planejamento originário foram descartados devido a questões materiais, bem como já havia algumas habitações prévias à década de 1960 (algumas permanecem até hoje), mas ainda assim é fato de que não há uma ampla tradição ou uma história autóctone de séculos que dê substância orgânica à cidade. Foi uma criação artificial para ser preenchida com imigrantes de diversos estados, com destaque para Rio de Janeiro e alguns estados do Nordeste.

Essa artificialidade teve como consequência uma certa aversão à cidade em seus primeiros habitantes, especialmente os cariocas, muitos tendo vindo a contragosto de uma metrópole mundialmente famosa a beira do mar, a "Cidade Maravilhosa", para um cerrado a mais de mil metros de altitude com clima e umidade por vezes comparável aos do deserto do Saara. Com isso, durante décadas a cidade apresentou a dinâmica rígida de um local de trabalho, do qual se evade nas férias ou mesmo feriados prolongados.

A ausência de um "centro" propriamente dito, os longos espaços inabitados a serem percorridos de alguns locais residenciais até o comércio, uma certa dependência maior de veículos próprios que a média das demais cidades, e até a errônea mas persistente fama da ausência de mulheres na cidade (que só foi parcialmente verdade nos primeiros anos da construção) contribuíram para reforçar essa má impressão.

Mas o importante é apontar que provavelmente não foram esses elementos isolados que conferiram essa dificuldade de adaptação, mas justo a falta de organicidade espontânea, de raízes, tornando a identificação com a cidade difícil e permitindo, incentivando e até legitimando uma onda de difamações nas mais variadas formas, indo de letras de bandas de rock, filmes ou livros onde o desprezo, se não ódio, a Brasília chegaram a configurar quase um senso comum no restante do país.
A isso soma-se o preconceito surreal de que todos os habitantes da cidade são políticos ou relacionados a eles, embora a grande maioria dos brasilienses nunca tenha passado perto de um congressista na vida ou se o tenha, não o reconheceria, ou que sejam todos funcionários públicos. Mas mesmo no recorte mais extremo, que foca apenas as áreas mais próximas das residências funcionais e ainda inchando o número com funcionários públicos distritais, trabalhadores celetistas, comissionados e cargos de confiança, estes não chegam sequer a 40% da população economicamente ativa. Na proporção geral, englobando áreas mais distantes, essa proporção cai drasticamente, e na média do DF não chega a 5%.

E apesar de tudo isso, a maior prova de que os problemas de adaptação vieram justo essa falta de organicidade, está no fato de que agora, quase 60 anos após a inauguração, a cidade já comece a ter uma tradição e algum enraizamento. Já se reconhecem gírias e até sotaques, muitos artistas brasilienses se projetaram Brasil afora, e temos uma nova geração nascida de pais e mães nativos da cidade, algo evidentemente impossível nas primeiras décadas.

É justo isso que melhora a percepção da capital pelos seus próprios habitantes, e consequentemente, sua percepção externa, demonstrando que somente um aprofundamento sócio cultural orgânico, capaz de engendrar uma tradição, uma identidade, e um senso de coletividade, pode resultar num espaço populacional digno de uma vida com significado, que transcende o mero horizonte individual e econômico, no caso do trabalhador que se via num espaço funcional onde ele apenas ganha o seu dinheiro, mas que vê sua verdadeira vida e identidade noutro local.

Ainda que sua artificialidade não seja total, visto que ainda se conecta diretamente com cidades próximas com muito maior organicidade, Brasília ainda assim serve como exemplo de um processo de criação de identidade, uma experiência que demonstra que sem raízes, sem cultura profunda, sem conexões familiares e sem tradição popular, nenhum local será digno de ser chamado de "minha terra", "nossa casa" ou "lar doce lar".

domingo, 4 de março de 2018

Liberdade sem poder é inútil


Ao pensar no que seria o total oposto da Liberdade, a maioria pensará na Escravidão, que é uma relação de trabalho onde o escravo não tem qualquer direito e, portanto, totalmente desregulada. Os flagrantes de trabalho escravo em pleno Século XXI sempre ocorrem em contextos onde as legislações trabalhistas não são obedecidas, e o poder público é neutralizado diante de um poder privado local.

Curiosamente, os que mais se arvoram de defensores da liberdade, hoje, incorporando a palavra até no nome de sua ideologia, são justamente os que mais defendem a desregulação das relações de trabalho, e portanto, sua aproximação com a condição na qual se dá a escravidão.

E o motivo disso é simples: O Liberalismo atual deixou de ser a defesa da liberdade das pessoas físicas para ser da liberdade das pessoas jurídicas, especialmente as maiores e mais poderosas. Não por outro motivo os discursos em defesa da Liberdade de Mercado atualmente são financiados pela elite econômica mundial, os expoentes do Libertarianismo e do Anarcocapitalismo não teriam saído da obscuridade sem o apoio irrestrito de banqueiros e mega empresários, e essa liberdade mercadológica é vista como a expressão máxima da liberdade individual, como se todo ser humano só tivesse realização plena de sua liberdade numa atividade empresarial.

Não é difícil entender esse amálgama entre os liberais e os mais ricos, visto que os maiores beneficiários do aumento de tais liberdades sempre serão os mais poderosos. De nada vale a liberdade de viajar pelo mundo para quem não tem dinheiro, bem como a liberdade de andar é inútil para um paraplégico, ou a liberdade de ler um livro não interessa ao analfabeto.

A Liberdade é um bem que só pode ser usufruído por quem possui poder para tal, e qualquer aumento nas liberdades gerais sempre beneficiará muito antes os mais poderosos. Se num grupo de pessoas qualquer você liberar a violência física, quem serão os reais beneficiados? Os homens franzinos e mulheres frágeis, ou os fortões e bons lutadores?

Por isso, o aumento da liberdade é algo que só é verdadeiramente eficaz para a maioria quando se garante também condições mínimas para que se exerça tal liberdade amplamente, ou ao menos que se possa conquistar as condições para tal ampliação, caso contrário, na prática, seu aumento apenas fortalece mais o poder de uns já verdadeiramente livres em detrimento de outros, até que estes acumulem tanto poder que passem a ser capazes de reduzir a liberdade alheia.

Sem uma rígida regulação estatal sobre as relações de trabalho, não há outro resultado possível que não a perda da capacidade da maioria trabalhadora de conquistar condições financeiras satisfatórias, perdendo poder e consequentemente liberdade, ao mesmo tempo que podendo usufruir de massas desfavorecidas de trabalhadores, uns poucos empresários, especialmente os mais ricos e mais inescrupulosos, aumentarão mais seus lucros e seu poder, distanciando ainda mais ricos e pobres e diminuindo o grau de liberdade geral da sociedade, pois a liberdade extrema de uns poucos não compensa a extrema falta de liberdade de muitos.

Só há equivalência de liberdade entre aqueles que estão em paridade de poder. Achar que quem pode viajar a qualquer momento para qualquer lugar do mundo ou comprar praticamente tudo que o dinheiro permite está no mesmo nível de liberdade de quem mal pode pagar um ônibus urbano, apenas porque ambos tem certas liberdades formais garantidas por lei, é mera hipocrisia, assim como achar que a eliminação de legislações que protegem justo estes últimos para favorecer uma pequena elite terá como resultado o aumento da liberdade geral.

E se é verdade que a regulação tem sim algum custo à atividade produtiva, colocando alguns limites à maximização dos lucros privados, isso não impediu que os momentos de maior crescimento econômico de nosso país tenham se dado sempre em contextos de ampla regulação, bem como não impede que países com regulação trabalhista até mais severa que a nossa prosperem.

Justamente para escamotear isso, iniciativas liberais adoram forjar listas farsescas de países mais desenvolvidos como se fossem países que cresceram e prosperaram graças a "maior liberdade econômica", leia-se, empresarial, fazendo vista cega para o fato de que todos possuem legislações trabalhistas bem consolidadas, além de diversas regulações, alta carga tributária, muitas vezes chamados de Estados de Bem Estar Social. A maioria também se desenvolveram por via militar, tendo passado imperialista, colonialista e expansionista, estendendo seu poder sobre o mundo com o uso das armas, saqueando e tomando territórios.

Não há um único exemplo real da fantasia liberal, isto é, um país sub desenvolvido que simplesmente decidiu liberalizar sua economia e com isso chegou ao topo do desenvolvimento. Os países mais desenvolvidos só ampliaram sua liberdade geral após se desenvolverem. Por isso mesmo, afirmar que um país como o Brasil prosperará economicamente por mera liberdade de mercado, em especial flexibilização de leis trabalhistas, é, na melhor das hipóteses, crença ingênua e alienada da realidade, e na pior, mentira perversa que visa promover justamente a máxima perda de liberdade geral em prol do ganho exclusivo de uma pequena elite já muito mais livre do que a maioria jamais poderá ser.

Para os despossuídos, mais vale a Assistência Social, o Bolsa Família, Escola e Saúde Pública, do que "liberdades" que de nada lhes servem. E na verdade, todos sabem disso. O liberal que enche os pulmões para "defender a liberdade" não deixa de obrigar seu filhos a estudar invés de respeitar sua vontade de não fazê-lo, e continua optando por abrir mão de parte de seu tempo livre por turnos de trabalho em troca de dinheiro, isto é, poder, para que aí sim, a liberdade que lhe resta possa ser de fato usufruída.

quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018

"Mortos, somos invencíveis"





"Nem venham com esquemas freud-psicanalíticos sobre a obsessão de Mishima pelo suicídio. De que valem esses esquemas no interior de um grupo social onde o suicídio não é um fenômeno patológico, uma carência, mas o sinal de uma plenitude, como entre os antigos filósofos estoicos gregos e romanos, que viam na autoimolação uma afirmação dos poderes da consciência sobre os acasos do destino? Narcisismo. Sadismo. Masoquismo. Reacionarismo. As palavrinhas terminadas em "ismo" com que tentamos dar algum sentido à nossa pobre vida feita de alguns lucros e vagas esperanças não fazem nenhum efeito nos músculos poderosos de Sensei Mishima.
Guevaras, Mishimas: mortos, somos invencíveis."
- Paulo Leminski

quinta-feira, 15 de fevereiro de 2018

O Brasil está sob uma Guerra de 4ª Geração


Passada a condenação em segunda instância de Lula, que constrangedoramente jogou fora a decisão de Sérgio Moro substituindo-a por outra com fundamentação completamente diferente, não foram poucas as análises à esquerda, à direita, e mesmo à terceira e quarta via. No entanto, surpreende a escassez de apontamentos do aspecto mais crucial envolvido, que na realidade é o verdadeiro motivador de todo o processo contra o ex presidente, do impeachment, do próprio Petrolão e mesmo das Jornadas de Junho de 2013.
Se Lula é culpado ou não é absolutamente irrelevante! Pois mesmo que de fato fosse autor do maior esquema de corrupção de todos os tempos, este jamais viria a tona e seria punido se não interessasse à certas forças transnacionais, e mesmo que ele fosse completamente inocente, essas mesmas forças forjariam as evidências do modo como melhor lhes conviesse. A julgar pela vacuidade espantosa do processo que exigiu a reedição da Teoria do Domínio do Fato, quase unanimemente condenada por juristas como inapropriada para tal abordagem, [1] a realidade parece mais próxima da segunda possibilidade.
Também é irrelevante se Lula se aliou ou traiu as elites brasileiras, pois estas jamais seriam capazes de fazer qualquer coisa sem o mando e o condão de seus cafetões boreais. O agronegócio latifundiário, herdeiro mais antigo da demoníssima trindade dos inimigos internos do desenvolvimento nacional, tentou em mais de uma ocasião sabotar o governo Dilma, a exemplo da patronal "greve dos caminhoneiros" de 2015, sem sucesso, e o segundo componente dessa trindade, a grande mídia, tenta derrubar Lula desde seu primeiro mandato também sem sucesso. Portanto, o fato destas elites serem contra ou a favor do ex presidente por tal ou qual motivo é secundário para uma devida compreensão do que realmente ocorreu. [2]
E o que tivemos foi exemplo do que alguns denominam de Guerra de Quarta Geração, um processo de desestabilização do país, utilizando principalmente desinformação, criação ou cooptação de movimentos sociais, ataques especulativos, manipulação midiática e intervenção cibernética na internet, visando uma convulsão popular que force a conjuntura política do país a se mover em direção aos interesses ideológicos do país interventor. No caso ao modelo liberal estadunidense.
Diferente das Revoluções Coloridas que estouraram no Oriente Médio, ou a comoção social que está sendo produzida na Venezuela, a versão brasileira teve como motivação inicial farsesca os 20 centavos das Jornadas de Junho e Julho de 2013, que no entanto permaneceram mesmo após a suspensão do aumento e depois degeneraram no maior caos de nossa era em todo o país sem qualquer pauta objetiva discernível e nenhum resultado prático previsto. Posteriormente veio a Operação Lava Jato, imediatamente após o esquema de espionagem descoberto na Petrobrás, vieram os movimentos pelo impeachment e por fim foi alçado ao poder um governo incomensuravelmente mais corrupto que o anterior, levando a uma crise econômica muito pior, mas totalmente comprometido com a pauta liberal dos EUA. [3]
Mas o que ocorreu no Brasil não só pouco deve aos meros interesses de setores nacionais ou de classes internas, embora se alie oportunisticamente a elas, como sequer é uma novidade. Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek também foram sistematicamente denunciados por corrupção, o primeiro só não chegou a ser preso, julgado e provavelmente condenado por ter optado pela via do suicídio, e o segundo, que chegou a também ser acusado de ter um triplex, escapou quase certamente pelo fato da permanência da Ditadura Militar ter tornado desnecessário tirá-lo da próxima disputa presidencial, onde também liderava as intenções de voto. Mas quando as possibilidades democráticas começavam a ser vislumbradas no horizonte, JK foi, como se sabe hoje, assassinado, após difamação sistemática como também ocorreu com Getúlio e ocorre com Lula.
E estes três governantes, além de Dom Pedro II, tem em comum o fato de serem extremamente populares, e populistas, terem sido Nacional Desenvolvimentistas, ainda que com estilos diferentes e todos questionáveis, e terem tido destinos trágicos. Mas talvez somente o primeiro possa ter sua derrocada debitada quase que inteiramente na conta de "forças ocultas" internas. Os demais se viram em conflito direto contra interesses estrangeiros que são os verdadeiros responsáveis pelos processos que os derrubaram ou instalaram a Ditadura de 1964.
O verdadeiro ataque vem de fora, uma violação direta da soberania nacional, e vários órgãos nacionais e internacionais bem como governos não aliados aos EUA denunciaram isso abertamente. [4] Nenhuma análise que pretenda compreender os motivos do impeachment de Dilma e do julgamento de Lula será mais que demagogia e ilusão se não levar esse fato em conta como fator principal.
Os fatos que temos presenciado há quase 5 anos no Brasil, e em vários outros países, menos tem a ver com as máscaras do "combate à corrupção", protestos massivos de jovens alienados crendo lutar uma batalha épica contra o mal justo na melhor fase sócio econômica que o país conheceu em meio século, ou maquinações e traições de nossa pérfida elite anti-nacional.
Tem muito mais a ver, como muito insistiu o jornalista Pepe Escobar, replicando artigos em outros idiomas inclusive no Pravda russo, com retirar o país da aliança eurasiana do BRICS, afastando a evidente influência que os maiores adversários dos EUA tiveram no país e assegurando a posição cativa e subalterna do Brasil ao interesses colonialistas de Washington, ou ainda mais precisamente, Wall Street e as oligarquias plutocráticas que o controlam. [5]
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Notas
1 - É verdadeiramente difícil achar algum jurista que concorde explicitamente com a aplicação da Teoria do Domínio do Fato no caso da Ação Penal 470, especialmente depois que o maior expoente mundial no assunto, o jurista alemão Claus Roxin, do país onde ela foi criada e é mais utilizada, recriminou abertamente sua aplicação pelo STF. O assunto é complexo, mas pode-se dizer que orbita em torno da imputação penal de crimes violentos por instituições inteiramente ilegais em geral de teor militar ou paramilitar, visto que a referida teoria foi na realidade criada para julgar os crimes praticados pelos Nazistas, e posteriormente, na América Latina, para os crimes contra a vida da Ditadura Argentina e do ex-presidente peruano Alberto Fujimori pelo uso de aparato militar contra opositores. Parece haver um consenso de que a utilização da Teoria do Domínio do Fato para prática de corrupção dentro de organizações civis legais não é sustentável.
2 - Essa demoníssima trindade é constituída de: 1) segmentos do macro agronegócio comprometidos com a manutenção do país como uma eterna colônia agropecuária, sendo portanto o setor mais antigo, que remonta aos primórdios coloniais e passando pela política Café com Leite; 2) a grande mídia de massas, historicamente alinhada ao primeiro e opositora de todas as iniciativas de desenvolvimento do país; 3) o setor financeiro bancário rentista, agraciado pelas altas taxas de juros que garantem aos bancos serem o único setor praticamente indiferente às variações recentes de conjuntura política, e por isso mesmo o que menos se interessou em desestabilizar a economia nacional.
3 - Fernando Haddad chegou a dizer que Dilma e Lula foram alertados por Vladimir Putin e Recep Erdogan, que resistiram a tentativas de desestabilização similares em seus países, a respeito de movimentação anormal nas redes sociais sugerindo abordagens similares às que foram usadas contra a Rússia e Turquia, além de outros países que não resistiram ao ataque. Embora ele não apresente evidências, há quem corrobore suspeitas similares como o jornalista norte americano radicado na Alemanha F. William Engdahl, que apontou a "coincidência" de que foi logo após o vice presidente norte americano Joe Biden visitar o Brasil em 2013 se reunindo com líderes da Petrobrás e fracassando em convencer Dilma Rousseff a alterar o modelo de partilha que favorecia a China, que estouraram as Jornadas de Junho, similar ao ocorrido em outros países por onde Biden passou, fazendo a popularidade da presidente despencar para menos da metade em cerca de um mês.
Também o texto https://www.rt.com/op-ed/337411-brazil-russia-hybrid-attack/ de Pepe Escobar, discorre sobre alguns elementos relevantes a esse respeito.
4 - Alguns exemplos são, mais uma vez, o jornalista brasileiro Pepe Escobar que publicou diversas denúncias a respeito em vários órgãos de imprensa internacionais, em especial o texto "Kill List: Smashing the 'B' in BRICS" (https://sputniknews.com/…/201606081041017686-brics-brazil-c…), cuja versão em português pode ser visto no portal do jornal russo Pravda
http://port.pravda.ru/…/bra…/11-06-2016/41140-lista_brics-0/ ou o texto "Lula and the BRICS in a fight to the death" (https://www.rt.com/…/334904-brazil-brics-lula-economy-regime), que possui uma versão em vídeo traduzido em https://youtu.be/JjK49HjPMGc.
O mesmo é dito pelo jornalista Beto Almeida em http://www.patrialatina.com.br/lavajato-quer-tirar-brasil-…/
Mas talvez ainda mais importante seja lembrar da denúncia do Wikileaks e de Edward Snowden a respeito do envolvimento do governo americano não apenas no processo de espionagem da Petrobrás, mas até mesmo da preparação da Força Tarefa da Lava-Jato. O telegrama vazado pode ser lido na íntegra, traduzido e comentado, em http://www.patrialatina.com.br/da-vergonha-mas-e-preciso-l…/
5 - Uma exposição detalhada de fatos que antecedem o Petrolão pode ser vista no texto "Do Pré-Sal ao Impeachment - O Maravilhoso Mundo das Coincidências Fabulosas" em http://www.xr.pro.br/…/Maravilhoso_Mundo_das_Coincidencias.…

terça-feira, 13 de fevereiro de 2018

O eterno carnaval



De fato, como se poderia tratar ainda de 'circunscrever' a desordem e encerrá-la em limites rigorosamente definidos, quando está espalhada por toda parte e se manifesta sem cessar em todos os domínios em que se exerce a atividade humana? Se nos mantivermos presos às aparências exteriores e a um ponto de vista simplesmente 'estético', poderíamos ser tentados a nos congratular com o desaparecimento quase completo dessas festas, em especial pelo aspecto 'disforme' de que se revestem, como é inevitável. Mas essa desaparição, ao contrário, quando se vai ao fundo das coisas, constitui-se em sintoma muito pouco tranqüilizador, pois revela que a desordem irrompeu em todo curso da existência e se generalizou a tal ponto que, pode-se dizer, estamos na realidade vivendo um sinistro e 'eterno carnaval'. RENÉ GUÉNON. Sobre a Significação das Festas Carnavalescas. Études Traditionnelles, dez. 1945.   



"O culto ao trabalho, a ideologia do produtivismo, a ideia, enfim, de que ano só começa mesmo na Quaresma é, tudo isso, parte da ideologia moderna que rejeitamos"



"A verdade é que, enquanto sociólogos e intelectuais deslumbrados fazem a apologia carnavalesca, o povo ou a parte maior dele odeia o carnaval"

 

"Um Momo que se senta em seu trono o ano todo devorará cada um dos filhos e foliões, sem nunca se saciar – eis a tirania de Momo, a tirania do sarcamo, do deboche, da maledicência, da sacanagem sem fim"

 
O que pensamos em escrever, mas não queremos fazer, é uma defesa das festas populares como o carnaval e, ao mesmo tempo, uma denúncia do carnaval – em pleno carnaval. Poderíamos, é verdade, falar sobre como a indústria do entretenimento sequestrou uma festa popular, o antigo entrudo português e brasileiro, aquele das marchinhas de rua e dos blocos populares, e, à maneira do que aconteceu com o futebol, o transformou em festa privada com ingressos e abadás de milhares de reais em torno de uma indústria cultural musical decadente. Mas não faremos isso.

Seria melhor escrevermos, agora fazendo o elogio, sobre como o culto ao trabalho, a ideologia do produtivismo - a ideia, enfim, de que o ano só começa mesmo na Quaresma é, tudo isso, parte da ideologia moderna que rejeitamos; do mesmo grande paradigma moderno que fundamenta os principais paradigmas políticos da modernidade (liberal, socialista e nacionalista). As festividades, o ócio, contudo, não são apenas o intervalo entre uma jornada de trabalho e outra – são parte da vida; precisamente a parte que o culto do progresso pretende suprimir. Podemos ler, para o caso europeu, o que Peter Burke escreveu sobre a cultura popular (europeia), o que Bakhtin escreveu (idem) e, assim, podemos, sem saudosismos, ter um vislumbre do que é ou o que era a cultura popular e a vida social “pré-moderna” – que ainda coexiste de diferentes formas dentro da modernidade mesma. Para fazer o elogio das festas populares, poderíamos citar aqui as Saturnálias, a Antestéria e outras tantas – citando Sir James Frazer, Mircea Eliade, Carlo Ginzburg, Georges Dumézil etc etc.

Poderíamos, ainda, falar de nossa condição colonial, de um calendário litúrgico transplantado, adaptado, de um carnaval arquetípico no qual um Rei saturnal de uma antiga era de Ouro reina durante a festa só para ser sacrificado ao final dela; poderíamos falar de um carnaval do hemisfério norte que marca e celebra o fim do inverno, o fim do gelo e que, por isso, é festa da fertilidade tanto quanto é uma festa dos mortos e que tudo isso adquire outro sentido quando é comemorado em meio ao verão subtropical, assim como ocorre, por aqui, com o Natal e o Dia das Bruxas – Papai Noel suado (sem contar o descompasso que há em celebrar um excesso carnavalesco depois do qual não há mais a abstenção de carne da Quaresma e sem contar ainda a situação deslocada de uma massa urbana produto do êxodo rural celebrando festividades de um calendário litúrgico relacionado às estações do ano e as colheitas). Poderíamos – mas não falaremos de nada disso.

Poderíamos falar sobre como, diferentemente dessa Europa pré-moderna, o Ocidente é o império do Logos, um Logos decaído (como o sol ao oeste) – império da técnica, reino da quantidade; poderíamos afirmar, como afirmaram José Carlos Mariátegui, Georges Sorel, Glauber Rocha e outros, que o povo também precisa do Mito e do Caos e sobre como essa é a pauta de diferentes movimentos identitários, tradicionalistas, pós-estruturalistas e outros tantos que, na Europa, buscam ressacralizar a vida ou subverter um projeto de modernidade; poderíamos, ainda, falar sobre como o caso do Brasil e da América Latina é curioso porque nos é imposto um modelo de Ocidente (ao qual nunca pertenceremos por inteiro) quando, ao mesmo tempo, sabemos que esse paradigma nunca penetrou a alma de nossos povos latino-americanos.

Poderíamos falar, e, agora, talvez até falemos, que é por isso que, por vezes, parece sem sentido fazer a defesa do transe, do sonho, do mito e da noite em um Brasil que já é permeado e possuído, em maior ou menor grau, pelo candomblé, o catolicismo popular e o carismático, o pentecostalismo profético e extático. Poderíamos escrever (porque sobre isso não se fala; só se escreve) sobre como o projeto iluminista de civilização ocidental com que a elite modernista tenta capturar os povos do Brasil deve ser rejeitado, no espírito do que escrevia Oliveira Viana sobre o abismo que existe entre um suposto Brasil real profundo e o Brasil positivista e burocrático.

Poderíamos, finalmente, discursar sobre como neoliberais, marxistas maoístas, esquerda burguesa e outros querem, todos, domar e domesticar um suposto Brasil arcaico, selvagem, “populista”, “patrimonialista” – e sobre como, na contramão desses e paralelo a esses (segunda voz da canção), há os que fazem o elogio do fatalismo, do misticismo e do passional.

***

Ao invés disso, diremos algo mais banal: a verdade é que, enquanto sociólogos e intelectuais deslumbrados fazem a apologia carnavalesca, o povo ou a parte maior dele odeia o carnaval: diferentes pesquisas (as quais não citaremos) mostrarão que algo entre 60% e 70% da população despreza essa erupção de força vital, esse rito de liberdade, essa bagunça catártica que supostamente contrasta com o restante do ano regido pela mecânica do trabalho e a lógica do cálculo e a razão utilitária. Seja como for, a maior parte dos brasileiros, em diferentes regiões, não sente senão asco diante desse espetáculo de turismo sexual, narcóticos, roubos e furtos, as ruas banhadas por litros de uma urina fermentada onipresente e espumante que se confunde com a cerveja enlatada de qualidade duvidosa que patrocina boa parte da festa.

Por que essa maioria recalcitrante, que descansa em casa assistindo enlatados ou novelas americanas, não deseja participar da festa da liberdade? É que o exercício mesmo da liberdade, para poder acontecer, requer alguma ordem. Chiaroscuro. E ordem é que falta – embora esteja escrito lá na bandeira nacional. Um carnaval que se prolongasse, como uma maré cheia, pelo calendário inteiro seria bastante parecido com um pesadelo e tal é o pesadelo brasileiro, que consiste em viver espremido e suado em vagões de trem e ônibus impossivelmente lotados, em meio a odores, apalpadores, tarados, o eventual peidorrento inconveniente – tudo ao longo duma jornada que pode se iniciar às cinco da manhã e se arrastar por duas ou mais horas em meio ao caos de um trânsito em transe; tudo para tentar chegar em casa vivo, abrindo caminho em meio às pistas esburacadas, as vias escuras e massas de zumbis viciados em crack, assaltantes e a orgia de violência, bagunça, sujeira, filas intermináveis e os meandros de burocracia barroca e esotérica e especulação imobiliária, corrupção policial e exploração trabalhista que acompanham o dia a dia de cada brasileiro urbano, periférico, favelado e outros tantos num frenesi de excessos e absurdos. Só resta, assim, o hedonismo masoquista, a promiscuidade autodestrutiva, o alcoolismo proletário, a cachaça de todo fim de semana ou de todo dia e quiçá o transe escapista da sessão ou culto do qual não falamos mais acima – ou a ilusão e a hipnose de uma mídia em transe, a pornografia soft dos vídeo-clipes e hits do momento, o desfile interminável de bundas dos programas de auditório, o humor demente e distorcido dos memes obrigatórios e a orgia de violência criminal/policial que acompanha o noticiário da hora do almoço ou a androginia mefistofélica da última celebridade polêmica que a indústria confeccionou. É o carnaval perpétuo sobre o qual escreveu René Guénon, o qual não citaremos.

Poderíamos, depois de escrever esse textão que ninguém lerá, encerrar com uma nota de otimismo e um toque de ambivalência, para mostrarmos como somos sofisticados e como sabemos que as coisas são cheias de nuances, escrevendo, assim, que as escolas de samba são, sim, um veículo para a grande máfia brasileira do jogo do bicho, narcotráfico e empreiteiras lavar dinheiro e reproduzir sua legitimação junto ao povão – mas, ao mesmo tempo, as escolas também são um espaço de socialização comunitário, de construção dum ethos identitário afrobrasileiro ligado a uma cultura periférica não individualista do samba e dos mutirões da qual também participam alguns brancos e caboclos; assim como poderíamos, também, dizer que o carnavalesco bakhtiniano serviu de interface, no Brasil, para fazer a ponte entre uma cosmovisão europeia e outra africana sobre a vida e sobre a morte, bem como outras coisas mais no mesmo espírito. Não faremos, contudo, nada disso.

Melhor seria falar de Momo, esse filho da Noite, e sobre como um Momo que se senta em seu trono o ano todo devorará cada um dos filhos e foliões, sem nunca se saciar – eis a tirania de Momo, a tirania do sarcasmo, do deboche, da maledicência, da sacanagem sem fim; melhor seria escrevermos que, para além de reafirmar o caos, o arcaico e a noite, como fazem os decadentes europeus (e precisam!), precisamos, nós outros, descobrir e construir nosso próprio Logos luminoso, achar a nossa própria ordem, com uma lógica que nela sirva; despertarmos, enfim, do pesadelo de nossa viagem noturna febril e dar a Momo o que é de Momo – mas a Júpiter o que é de Júpiter. Com as graças de Têmis.

Uma versão ligeiramente diferente desse texto foi primeiramente publicada no site da Nova Resistência- Brasil.


Imagens:
Abaixo – Pieter Bruegel. Batalha entre o carnaval e a quaresma. 1559.
Acima – Zdzisław Beksiński. Sem título. Data desconhecida (provavelmente em algum momento entre 1978 e 1998).





Uriel Irigaray

Pesquisador e doutorando em antropologia social, professor e tradutor.


domingo, 21 de janeiro de 2018

A Destruição da Paternidade e a Vilificação do Homem

Um tema de alto simbolismo recorrente na ficção e nos mitos é que a perda de entes queridos causa grandes modificações nas pessoas, sendo que o rapaz que perde uma figura paterna (podendo ser também um tio ou irmão mais velho) e termina por se tornar um herói é algo trivial, mas nem tanto o homem que perde esposa e filhos (ou irmãos mais novos) e se torna um vilão ou um anti herói.


Mas para esse também a lista é vasta, de Conde Drácula a Darth Vader, passando por clássicos do cinema como Dr. Phibes ou do universo de super heróis como Mr Freeze, ou mesmo por "heróis" questionáveis como Nicholas Marshal (Dark Justice) ou o próprio Frank Castle (The Punisher) - e até releituras de super vilões clássicos, como o Coringa em A Piada Mortal ou Hannibal Rising: o trauma da perda da mulher amada e/ou dos filhos ou irmã mais nova é o que desperta o demônio interior que teria ficado adormecido para sempre no homem comum (trato desses temas mais detalhamente em http://www.xr.pro.br/monografias/herois_da_areia.html).
Portanto, simbolicamente, retirar do homem seu papel de provedor e protetor, em especial de forma brutal, é a melhor forma de transformá-lo num monstro.


Mas da mesma forma como dificilmente heróis surgem no mundo real pela morte trágica dos pais, e sim isso apenas simboliza a superação do complexo freudiano e evolução de menino para homem, também dificilmente vilões são criados pela mera morte trágica da família, e sim por sua destruição simbólica. Dessa forma, o processo de dissolução familiar promovido pela cultura contemporânea dos "casamentos temporários" e pelas varas de divórcio tem sido hábil em fazer aflorar horrores onde outrora pais de família promovem atrocidades chocantes.
Tradicionalmente os símbolos, valores e sensibilidades que edificam o 'bom homem', aquele que assume a responsabilidade de sua conduta sexual saindo do estágio de 'aventureiro' para o de 'homem de família', pavimentam uma via de acesso a um papel socialmente útil, moldando todo um sentido existencial que se realiza acima de tudo na paternidade responsável.
Quando isso é subitamente removido, em especial quando não há um motivo claro que o justifique, a destruição desse sentido frequentemente é insuportável para a psiques mais fracas, com resultados trágicos, visto que todo o fundamento sobre qual esse papel social é construído desaba, abrindo as portas do caos mental de onde pode sair qualquer coisa.

Portanto, há nítida correlação entre os índices de divórcio e sobretudo de alienação parental, e a ocorrência de tragédias que tem sido recorrentes há alguns anos, sempre servindo de propaganda contra os males do "Patriarcado" quando é justamente da destruição deste que eles advêm.
A maioria das pessoas não tem individualidade suficientemente forte para se manter íntegra (em todos os sentidos possíveis) à revelia da coletividade. É justamente por isso que a humanidade é fortemente gregária e pouquíssimas pessoas se isolam efetivamente. Somos portanto dependentes de sólidas instituições sociais que dão sentido e propósito às vidas de quase todos.
Há mais de meio século uma das mais fundamentais dessas instituições tem sido sistematicamente vilipendiada e atacada por todas as forças do poder financeiro, midiático, intelectual e político estabelecidos, e o horror que a destruição dos papéis tradicionais tem fomentado vai muito além de meras tragédias isoladas, que ainda são usadas para legitimar ainda mais os processos de Alienação Ideológica que os causaram.
Ao indivíduo psicologicamente fragilizado, incapaz de fazer frente à todo o aparato estatal e político cooptado para propósitos de manipuladores sem qualquer compromisso com o bem estar social que colocam sociopatas em discreta posição de poder, só resta se render ou em casos mais isolados explodir, ao pior estilo "Um Dia de Fúria"!


OBS: 'Um Dia de Fúria' (Falling Down, EUA 1993) é um filme estrelado por Michael Douglas onde um cidadão atormentado pelo desemprego e pela alienação parental perde o controle e sai protagonizando uma série de atos extremos pelas ruas da cidade. Embora esteja longe de promover ações hediondas, estando até mais para heroicas ainda que com grande dose de aleatoriedade, o filme traz uma excelente imagem do drama do homem conservador contemporâneo pressionado pelas mais diversas e brutais forças psicossociais, traído pela corrupção dos ideais em que acredita, e usado e descartado pelo mesmo sistema que almeja proteger.


Marcus Valério XR é ativista da Ação Avante, agente operacional na CAESB, diretor do Sindágua-DF, Bacharel em Filosofia e Mestre em Ética e Filosofia Política pela UnB, músico, designer, escritor e membro da Dissidência Política do DF. Também é pai de duas moças e dois meninos.